Poemas

Habitação


Dentro desse “nós”

há de residir um tu e um eu

para o sol se pôr.

 

Nós somos casinhas geminadas,

pintadas

cada uma de uma cor.

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Lidiane Santana

Lembro a infância tão sonora

de arapuca e passarinho

e a gente roubando amoras

pelo quintal do vizinho.

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Lidiane Santana


Haikais



na rua, riso em flor 

só aos gerânios do quintal

conto a minha dor

 

fada sem condão

flutua verde e etérea 

a libélula

 

um raio de fogo

rompe o céu ao partir

Rita Lee

 

gélida manhã

um carinho em teus cabelos

derrete a mágoa

 

borboleta afoita

pousa a ligeira pupila

teus olhos nos meus

 

silêncio e tensão 

tecem o fio intangível

que amarra o desejo

 

eco permanente

até no hiato do meu nome

ressoa o teu


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Lidiane Santana

Bom dia!


Só ao bem-te-vi é permitido

cantar ao pé do meu ouvido

assim, pela manhã.


Diga-me o mínimo possível,

que eu acordo feito raio de Iansã...

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Lidiane Santana


Geração Y


O peso cotidiano me esmaga

mais do que a bigorna

caindo em cima do Coyote.

Os adultos são caricaturais

e me lembram os personagens da infância

só um pouco mais tristes

e decadentes...

Há cores supersaturadas, sons agudos

e meus olhos vidrados em telas acesas

— caleidoscópios viciantes,

muito café pra seguir,

depois sedativos pra apagar,

mas nenhum Cavalo de Fogo pra fugir a galope

e atravessar um portal encantado

pra outros mundos.

A moral da história

tem um vago gosto de

"não te avisei,

pois na minha vez,

ninguém me disse nada".

Maniqueísmos do avesso

com a etiqueta pra fora

onde se lê instruções que eles ditam

e não seguem.

Seus bons-dias, poses e positividades

apregoam

o faz de conta revisitado

a embalar, agora, ilusões

em vez de açúcar.

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Lidiane Santana

Roseira brava

Não me cultive em jardins 

à mercê do seu paisagismo 

para colher depois com fastio 

que não sou flor de arranjo. 

Nem quero a proteção da estufa 

se não posso ser quem sou. 

Padeço o vento, a chuva, o calor 

mas mantenho minha postura 

Roseira brava 

nascida do solo rude, 

solta entre o mato corrido 

não despetala a qualquer rumor. 

Tampouco enfeita seu centro de mesa. 

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Lidiane Santana

Danúbio azul


Trazida ao limite

corda de instrumento tesa

a um dedo de arrebentar


a vida me dilacera

rindo e volteando

de par em par...


uma valsa de Strauss

numa cena de Tarantino


implacável e bela

destituída de propósito ou sentido.

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Lidiane Santana

Incongruência

O vaga-lume no meu quarto era a luz do stand-by.

O campo verdejante, um descanso de tela.

Só meus sentimentos, esses brutos animais,

destoam como objetos perdidos

em meio à utilidade doméstica.

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Lidiane Santana

Os castelos


Erguem-se na verve ilusória

do acaso, um feliz  momento

na busca de um ideal

que com ternura alimento


Mas a vida é tão simplória:

castelos em desalento

morrem na crueza banal

do meu desapontamento.

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Lidiane Santana


Angústia vital


Sou pássaro de asas cortadas

à espera de um céu  que não virá


Sou cavalo malferido

à espera do tiro de misericórdia


Sou iludida na vida

à espera de que o bem suplante o mal


Sou flor que nasceu no asfalto

à espera de um Drummond  


Sou mensagem decisiva

à espera da resposta


Sou a própria espera

à espera de um novo impasse.

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Lidiane Santana


Ossário


No escuro mudo 

estala 

um vazio lancinante 

— eles se foram, mas eu fiquei em mim 

sob sete palmos de lembranças. 

Em casa, o pé-direito pontual 

a impedir que o ontem sobreponha o hoje. 

Será possível medir 

o desalento por metro quadrado? 

Eles me sorriem dos porta-retratos 

e eu, pacientemente, espero a minha vez. 

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Lidiane Santana



Desconstrução


Se me queres só para flor, me esquece, amado.

Sou arbusto repleto de espinhos,

sou planta silvestre ao pé do calvário,

sou vento agreste que desfaz o ninho.


Sou fruta doce, mas braba

que amarga no fim

queimando seus lábios  

e eu só sei ser assim…

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Lidiane Santana